Juventude: Crise, identidade e escola – Marília Pontes Spósito (1996)


O tema juventude foi pouco tratado no período da ditadura militar no Brasil. É novamente discutido em maior quantidade e profundidade a partir dos anos 80. A autora afirma que após a década de 70 há uma reflexão sobre a educação: os processos sociais que que explicariam o fracasso escolar e também a categoria casse social e a reprodução das desigualdades que seriam centrais para a análise da escola (p. 96-97). Nos anos 80 caracteriza-se pelas discussões em torno da descoberta do espaço escolar, e também pelo resgate do ponto de vista dos sujeitos, levando-se em consideração as práticas sociais e produções culturais que são gestadas em espaços não institucionais. Torna-se imprescindível valorizar outras questões como gênero, etnias, gerações, etc. “É preciso ousar conhecer tanto a escola como os movimentos e atores coletivos, na condição de universos que gestam representações e práticas polissêmicas de produção cultural” (p. 98).

Mais do que nunca o jovem busca definir a sua identidade, é uma fase transitória, assim como a infância, mas toda fase não o é? Umas duram mais do que outras, é certo, mas logo depois se entra na fase adulta, na maturidade e senilidade, cada uma deve ter suas peculiaridades e o sujeito deve ter um modo de ver o mundo de forma característica em cada fase de sua vida. Spósito afirma que “se é jovem sempre em função de uma peculiar relação com o mundo adulto e com o universo infantil, do qual existe a tentativa de distanciamento” (p. 98).

No entanto, na fase jovem do ser humano, pela primeira vez ele ensaia para assumir e definir o que se é, já que em sua fase infantil os adultos o faziam por eles, ditando regras e impondo limites. Pode-se dizer que a rebeldia nada mais é do que a tentativa de expressar ou gritar ao mundo o que é, o que sente, sonha e sofre. É uma fase “de se perceber semelhante aos outros (ser reconhecido e reconhecer) e, ao mesmo tempo afirmar a diferença enquanto indivíduo ou grupo” (p. 99).

Assim, mais uma vez a representação do que é ser jovem, assim como Perrenoud afirma sobre o que é ser criança ou menor, a publicidade e mídia tem uma grande parcela de participação na formação das representações destes grupos sociais, e principalmente responsabilidade na formação de estereótipos em torno destas categorias. No caso dos jovens é comum os adultos os considerarem consumistas ou alienados, e no caso de alunos de escolas públicas, muitas vezes, são taxados de violentos e marginais. Spósito afirma que “o estereótipo é aliado íntimo do preconceito” (p. 99) e esta situação provoca dificuldades para o educador, além de o estereótipo não permitir que seja interrogado o sujeito acerca de sua condição, é negado o direito de fala justamente pelo preconceito, o que contribui para que adultos de um lado e jovens de outro tenham sempre receio de aproximarem e dialogarem sobre as dificuldades relacionadas à educação e relacionamento destes grupos sociais.

A autora fala como esta situação pode ser prejudicial ao jovem: “Essas significações, tornam-se, de fato, representações incorporadas pelo jovem no seu auto-reconhecimento, sendo traduzidas pelo estigma, que conforma, ou melhor deforma sua identidade”. Retorno ao que citei no texto anterior sobre a questão do valor do jovem trabalhador, menor aprendiz ou estagiário, que é visto sempre, no ambiente de trabalho, como um ser incompleto, em formação, transitório, como mão-de-obra barata e pouco qualificada, quando em realidade o jovem não deveria atender ás expectativas de ser ou mesmo deveria ser igualado a um profissional formado. O jovem carrega todo um fardo de preconceito que os adultos têm sobre eles: são preguiçosos, dormem demais, “somente” estudam por isso devem dar conta de muitas tarefas ao mesmo tempo, são indisciplinados, agressivos, inconsequentes, impulsivos, rebeldes, agitados, namoradores... Todos estes estereótipos com toda a certeza danificam a imagem que tem de si mesmo, ou pelo menos causam uma dúvida sobre sua identidade ou personalidade.

A autora questiona que o cerceio do jovem e o não direito de fala não dá espaço para que o jovem se abra para o mundo adulto, ou como alguns ainda desejam, que o jovem justifique seu modo de ser para o mundo. Qual seria a real necessidade por trás do consumismo, ou o ser alienado, seria alienado a tudo? Spósito ainda fala da não participação do jovem na política, entretanto, no Brasil este quadro vem se modificando, como exemplo cita-se as manifestações de junho de 2013 onde o movimento estudantil de São Paulo MPL – Movimento Passe livre questionou o aumento de R$ 0,20 nas passagens de ônibus o que desencadeou uma série de outras manifestações de diversas demandas em escala nacional, as quais o jovem teve um papel central. Percebe-se que o jovem não é tão alienado assim, talvez sua voz não seja ouvida em certos espaços e situações por motivos intencionais, talvez os jovens possam incomodar ou mesmo fazer com que os adultos saiam da sua zona de conforto, exigem mudanças que os adultos, por vezes podem não desejar.

Sobre o aluno trabalhador, Spósito fala que, quando introduzido precocemente no universo do jovem pobre, este pouco conforma em sua identidade, “o trabalho torna-se mais uma fonte de renda, ou seja, um mero emprego, do que o exercício de um ofício que ofereça realizações pessoais” (p. 1021). Assim, por necessidade o jovem aceita subempregos, bicos, estágios, o que cooperam para suprir demandas de seu núcleo familiar, mas não o ajuda na formação de sua personalidade. Com o tempo, este mesmo jovem pode ser levado a pensar que a escola não trará benefícios a curto prazo e pode abandonar a mesma. Depois de certo período, este mesmo jovem, em fase adulta, percebe que, por vezes, ainda ocupa a mesma posição: trabalha em subempregos e bicos, e resolve voltar a estudar na Educação de Jovens e Adultos para “melhorar de vida”, para ter uma realização pessoal, porque prometeu aos filhos e netos, ou porque deseja cursar uma graduação em uma faculdade.

A respeito dos espaços, a sociabilidade ganha bastante importância para configurar sua identidade e as ruas da cidade aparecem como protagonistas neste panorama, pois é nelas que vão se encontrar, que vão se reunir aos seus comuns, aos seus grupos de dança, música, grafite, dentre outra atividades, mas também pode ter um lado perverso onde encontram seus iguais em atividades ilegais como o crime, tráfico etc. A autora frisa que “quanto mais o Estado esta ausente na oferta de equipamentos destinados à cultura e lazer juvenis, mais a rua adquire relevância em suas dimensões socializadoras” (p.101).

 Assim, pode-se compreender que a escola nunca deve ser encerrada em salas de aula, o espaço de aprendizagem está e é em todo o lugar. A escola deve conseguir abarcar as ruas, o bairro e também a comunidade para fazer sentido em si. Pois nenhum aluno é encerrado em si mesmo, como pode ele fracionar parte de sua personalidade ou do seu ser para aprender diversas disciplinas, em um curto espaço de tempo diário, onde estas mesmas matérias, muitas vezes nem mesmo dialogam com seu cotidiano ou com suas dificuldades sócio emocionais, ou mesmo com sua cultura e vivências, com seu núcleo familiar? Parece-me um pouco irracional que seja assim, ou mesmo um pouco ultrapassado.

Estes questionamentos levam, mais uma vez a questão da crise escolar, da escolarização ou fracasso escolar “Poderíamos falar da crise em termos da instituição escolar, da ausência de projetos, culturais e educativos, portadores de algum significado, do esvaziamento do seu sentido para seus alunos” (p. 101).

Por último, a autora tece comentários sobre o conflito geracional, segundo ela, “eles enriquecem a vida social, porque oferecem novas alternativas e sinalizam possibilidades de mudanças” (p. 102). Em um ambiente onde exista autoritarismo por parte dos adultos (e não há como ser da parte dos jovens, pois eles não estão munidos com este poder)  não pode haver intercâmbio de ideias e debates prejudicando o espaço livre do diálogo e, por conseguinte, este enriquecimento da vida social, por outro lado, se o grupo dos adultos assumem uma postura mais democrática e aberta, “uma geração adulta capaz de assumir condição de portadora de um mundo de valores, regras, projetos e utopias, que deseja propor também aos educandos” (p. 102, então poderá haver uma comunicação salutar.

Ressalta que este choque de gerações molda e reformula o que precisa ser mudado, moderniza-o: “Não importa que, hoje, nosso legado contenha problemas sociais e humanos. Para que possam rebelar, contestar e criar um conjunto próprio de orientações e utopias os jovens precisam encontrar um estoque muito bem definido de valores oferecidos por seus educadores. Nos espaços democráticos da convivência com as diferenças entre as idades, entre os ciclos de vida e as gerações, pode-se caminhar para um encontro que desenha projetos comuns capazes de oferecer novos e múltiplos caminhos para a prática educativa” (p. 102).

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