O que é uma escola justa? François Dubet (2004)


Este texto traz algumas reflexões sobre justiça e igualdade social e escolar. Nesta perspectiva, é comum considerar um grupo de indivíduos com diferentes necessidades, histórias de vida, sonhos, famílias e classes sociais simplesmente de alunos/estudantes ou mesmo turma/classe. Percebe-se implicitamente o que a escolarização faz com estes seres, todos diferentes entre si em diversos âmbitos, homogeneíza-os e assim os professores também os percebem e os tratam como iguais entre si, inclusive no que diz respeito a métodos de aprendizagem e didática, o que é extremamente prejudicial e acaba inibindo inclusive os resultados dos alunos, seu rendimento, suas expressões e criatividade.

Dubet fala que “é importante refletir sobre a justiça escolar para avaliar o sentido e o alcance das políticas escolares” (p. 540). O texto gira em torno do que o conceito de meritocracia significa para todo o universo escolar e também dos alunos “uma meritocracia escolar justa não garante a diminuição das desigualdades. A preocupação com a integração social dos alunos tem grande probabilidade de confirmar seu destino social.” (p.540).

De qualquer forma, a meritocracia prega uma concorrência entre alunos que sempre estão em busca de uma aprovação que gira em torno de notas e não pela performance de cada um em diversos aspectos inter-relacionada às diversas disciplinas, acabam por se descuidar da verdadeira aprendizagem e conhecimento. Essa situação perversa acaba por gerar alunos vencedores e vencidos que são considerados como “uniformizados” mas que jamais serão iguais, seja em rendimento escolar seja em sua realidade social.  A escola não deveria ser um espaço para valorizar a igualdade mas sim a diferença que pode gerar criatividade e riqueza de conhecimento e aprendizagem. Uma sociedade não é feita e construída por iguais e muito menos por conhecimentos padronizados, é na diferença de pensamentos que surgem as ideias diversas e por conseguinte, as construções e visões de mundo diferenciadas, a inventividade e também as soluções para problemas e situações que o ser humano tem que saber lidar em família, em comunidade quem dirá em sociedade.

O Autor resgata um pouco do histórico e do porquê de se adotar a meritocracia como parâmetro e meio de justiça escola “contrário das sociedades aristocráticas que priorizavam o nascimento e não o mérito, as sociedades democráticas escolheram convictamente o mérito como um princípio essencial de justiça: a escola é justa porque cada um pode obter sucesso nela em função de seus trabalhos e qualidades (p. 541).

No início essa ideia de meritocracia dentro da escola não se aplicava à classe de filhos de trabalhadores, que nem mesmo tinham acesso às escolas. Com a implantação da educação gratuita e obrigatória em países ricos “a igualdade de acesso está quase garantida e constitui um progresso considerável” (p. 541), “A escola é gratuita, os exames são objetivos, e todos podem tentar a sorte” (p. 542), entretanto, Dubet ressalta as diversas dificuldades em se tratando das desigualdades sociais que são realidades bastante presentes e influentes em seus rendimentos como alunos: A abertura de um espaço de competição escolar não elimina desigualdades; para ser um sistema realmente igualitário e objetivo não deveria ignorar as desigualdades sociais dos alunos; no modelo meritocrático há crueldade para com os alunos: os alunos vencidos, os fracassados são culpados e responsáveis pelo resultado e não como vítima de todo este sistema que nada tem de justo ou igualitário, pois a priori a escola lhes deu todas as chances para tyer sucesso como os outros; o modelo de igualdade de oportunidades implica sérios problemas pedagógicos,  os alunos se desesperam e desanimam seus professores pois as diferenças logo se aprofundam rapidamente, este sistema cria enormes desigualdades entre alunos “bons” e “menos bons”; e por último há o questionamento da ideia de mérito, que seria uma transformação da herança em virtude individual, ou ainda um modo de legitimar as desigualdades e o poder dos dirigentes “ Não somos responsáveis pelo nosso nascimento como sê-los por nossos dons e aptidões?” (p. 544).


O autor, entretanto enfrenta o dilema de em uma sociedade democrática não ser possível abandonar o modelo de justiça baseada no mérito por razões de fundo, já que o mérito por nascença seria uma forma ultrapassada de mérito, então “o mérito pessoal é o único modo de construir desigualdades justas, isto é, desigualdades legítimas” (p. 544).

É importante compreender que dentro de uma escola jamais haverá igualdade e justiça baseados em igualar ou desconsiderar desigualdades, ainda mais as sociais. “Para obter mais justiça, seria preciso, portanto, que a escola levasse em conta as desigualdades reais e procurasse, em certa medida, compensá-las” este seria o princípio da “discriminação positiva” que gera um aspecto negativo que evita a concentração de alunos idênticos em questões de cultura, origens, situação financeira, mas sabe-se esta situação é meramente hipotética e irreal, pois “os mecanismos de mercados escolares” leva à separação de alunos de acordo com suas classes sociais em escolas públicas e particulares, em escolas boas ou ruins, etc. específica para concursos e exames.

A solução para todos estes problemas, segundo o autor seria o que sugere desde o início: “mecanismos compensatórios eficazes e centrados nos alunos e em seu trabalho; estudos dirigidos, atividades esportivas e culturais, estabilidade e qualidade das equipes educacionais, preparação”. Neste sentido, me parece que a educação do modelo “escola integral” minimiza um pouco este abismo entre as diferenças entre classes sociais no que diz respeito de os alunos pobres terem acesso a atividades variadas que vão além das disciplinas, tais como esportes, passeios em museus, parques, centros de aprendizagem alternativos, etc. o que os introduz há um certo tipo de experiência cultural que jamais teriam acesso dado os seus contextos familiares e socioeconômicos. Também me parece minimamente justo garantir não somente acesso à escola em questões de vagas e materiais escolares, mas também deve ser garantido o transporte, alimentação, vestimenta, dentre outros pormenores, “Uma das formas de justiça social consiste em garantir um mínimo de recursos e proteção aos mais fracos e desfavorecidos” (p. 546).

Sobre a eficiência da escola e da sua capacidade de dialogar com o mundo real, ainda mais o mundo do mercado de trabalho o autor questiona a questão dos diplomas e seu valor utilitário “Umas das grandes causas da injustiça provém do fato de que determinados diplomas tem grande utilidade, ao passo que outros não tem nenhuma, numa escola de massas onde todos – ou quase todos – obtêm diploma.” (p. 548).

O autor fala aborda sobre os “alunos vencidos” em que são menos bem tratados e culpabilizados pelo fracasso escolar, pessoal, de ensino... “são coagidos a se identificarem com seu fracasso ao acumularem anos e dificuldades ocasionadas por orientações que os encaminharam para trajetórias escolares indignas (p. 551)”. Também fala que a responsabilidade atribuída a eles pelo fracasso escolar influencia em sua autoestima, ao contrário, “Uma escola justa preservaria melhor a dignidade e autoestima dos que não fossem tão bem sucedidos como se esperava” (p. 552). Para que esta escola justa seja realidade ele propõe duas ações: Revalorização do ensino técnico e profissional; e afirmação do papel educativo da escola.

Durante as aulas no Centro Pedagógico me deparei com uma situação onde a falta ou baixa autoestima gerou uma situação de agressão entre os colegas. Uma aluna que disse não saber nada da matéria, que se achava pouco inteligente afirma que outra aluna estava rindo dela por este motivo. A aluna acusada disse que não estava rindo por este motivo, mas que estava conversando sobre outro assunto com a colega do lado. Como estávamos em uma conversa sobre as dificuldades de cada aluno com relação a disciplina de Geografia, disse a eles que deveriam ter mais paciência consigo, acreditar que eram capazes de aprender, de vencer os obstáculos, a rotina e outros problemas, mas que ter auto estima era fundamental para o processo de aprendizagem deles.

Dubet afirma que os vencidos serão mais bem tratados quando se pensar que a escola deve educar todos os alunos independente de seu desempenho escolar (p. 552). Por fim afirma que é necessário aprender a defender outros princípios de justiça e a combiná-los com um modelo meritocrático, ou ainda uma dose de discriminação positiva a fim de assegurar maior igualdade de oportunidades. A escola justa deve se preocupar com questões que permeiam o acesso a bens escolares e a utilidade dos diplomas. Deve se preocupar para que as desigualdades escolares não produzam desigualdades sociais, “Em um sistema competitivo justo, como o da escola meritocrática da igualdade de oportunidades, deve tratar bem os vencidos na competição, mesmo quando se admite que essa competição é justa” (p. 553).


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