TEXTOS AUXILIARES - O Aluno como invenção – José Gimeno Sacristán (2005)


A naturalização do que ocorre cotidianamente quando estamos acostumados a certa situação ou fato, quando não refletimos e/ou contestamos sobre tal: “Tudo que nos é familiar tende a ser visto como natural” “...esse modo de ser dá sentido ao modo de entendermos e de nos representarmos no mundo cotidiano, dá conteúdo a nosso senso comum”. Esse senso comum vai sendo enriquecido por nós com representações tomadas de outros, com o que nos contaram, com os discursos e histórias que escutamos – cultura que herdamos – que falam das experiências prévias dos antepassados dos quais somos herdeiros” (p. 11).

Fala ainda, que o aluno é uma construção social inventada pelos adultos, e estes (pais, professores, cuidadores, legisladores, ou autores de teorias sobre psicologia do desenvolvimento) são os responsáveis pela organização da vida dos não-adultos.

Se os menores são representados como seres escolarizados de pouca idade, é o mesmo que dizes que são incapazes de gerir suas próprias vidas, de tomar decisões, de escolher o que querem estudar, a que horas querem acordar ou dormir, quando querem brincar e de quê, ou se querem praticar esportes, ou dança... é o mesmo que dizer que não podem decidir e fazer escolhas em suas vidas e que isso deve ser feito por um “responsável”, um “maior”. Quando não se dá a voz para os menores definirem e dizerem o que são, com o que sonham e o que querem fazer instintivamente o adulto o faz por eles. Essa é uma questão meramente e exclusivamente de ter poder para definir uma situação, ainda que não seja admitido ou compreendido por parte dos adultos. E é de posse de todo esse poder sobre a vida dos menores, que é considerada uma fase transitória para o ser humano, por mais que ela nunca vá deixar de existir no mundo, pois os sujeitos menores vão continuar a nascer e ocupar tal categoria social, que muitas vezes ocorrem casos de violência, abusos, opressão, dentre outros, seja dentro da escola, nos centros religiosos, em casa ou nas ruas.

Ao ler o texto do Sacristán me perguntei, o que é ser menor? A própria palavra vem carregada de estereótipos formados pela mídia, o "de menor" é sempre sinônimo do "menor infrator" , há sempre menores "do bem e do mal", os do bem são crianças, jovens, mas os do mal são menores e também estão envolvidos com questões ilegais. Fiz uma busca no Google com a palavra menor e me assustei um pouco, o que digo aqui é o que o a pesquisa me revelou: a imagem construída de que o menor está a margem, é marginal, criminoso, em sua maioria é negro, do sexo masculino, pode estar armado, ou ostentando colares caros, carros, mulheres, fugindo da polícia.

Vejam abaixo os prints das telas de acordo com as buscas no Google:

Criança:


Aluno:


Jovem:

Menor:


Sacristán fala que estamos tão presos às realidades cotidianas e aos semelhantes que nos rodeiam e ao que fazem para nós que não nos sentimos estimulados a imaginar um outro mundo possível (p. 13). E por isso a figura do aluno é tão naturalizada e pouco tem-se questionado sobre ela, não é inquirido sobre o que significa esta condição social que é transitória, ainda que, durante este período de vida possam ocorrer situações boas ou ruins que marquem o sujeito em sua fase infantil, jovem e adulta, que vão muitas vezes, influenciar seu caráter, seu modo de vida, e seu modo de ver e interpretar o mundo e a vida, individual ou em comunidade/sociedade.

Se é natural ver o aluno como menor, é natural também pensar que o ser humano deve ser escolarizado desde sua infância e juventude. A condição de crianças de jovens de 3-15 anos serem escolarizadas “é uma forma estatisticamente normal de estar em nossa sociedade” (p.13), sendo assim, seria anormal um jovem estar fora da escola até esta idade, mas sabemos que a evasão escolar possui grandes índices no Brasil, seriam considerados então como alunos desviados ou anormais os que abandonaram a escola? Por mais que muito se discuta atualmente sobre o sistema educacional brasileiro, a condição de trabalho dos professores, a infraestrutura das escolas, métodos de ensino, pouco se fala das desigualdades sociais entre alunos crianças e jovens, o que muitas vezes os levam a abandonar os estudos.

Se este aluno já era considerado “fora dos padrões” quando deixou de estudar o que dizer quando este em sua fase adulta, ou menos senil decide retornar para dentro de uma sala de aula? Seria o caso da Educação de Jovens e Adultos. Em determinado momento de sua vida estes cidadãos e cidadãs tiveram seus direitos sociais negados, mas arcaram com os preconceitos que recaíram sobre si por não terem terminado seus estudos, quando retornam será que sofrem novamente preconceito por terem problemas relacionados à alfabetização, por serem “velhos demais para uma sala de aula”. Acredito que sim.


Se a imagem do menor está associada a figura do aluno, que é naturalizado desta forma, que é assim que o senso comum vê e dá valor, pode-se inferir que um “aluno maior” cause estranheza ao senso comum e sofra preconceitos ou mesmo rejeição.

Sacristáo fala sobre o modo de vida do aluno, que em torno da categoria social “aluno” “formou-se toda uma ordem social na qual se desempenham determinados papéis e se configura modo de vida que nos parece muito familiar porque estamos acostumados a ele. Essa ordem propicia e obriga os sujeitos nela envolvidos a serem de uma determinada maneira” (p. 14). Questiona quais aspectos da pessoa em estágio de infância entraria nesse modo de vida, a sua individualidade como ser humano, suas características culturais, suas experiências em sociedade, em família, seus sonhos, sua forma de pensar e agir, sua personalidade. O autor chega à conclusão que “A infância construiu em parte o aluno e este construiu parcialmente a infância” (p.14) “Acreditamos que o modo de ser aluno é a maneira natural de ser criança, representamos os dois conceitos como se fossem, de alguma forma, equivalentes. Em compensação não identificamos qualquer adulto como se fosse professor, porque sabemos que nem todos o são” (p. 15).  Nesta última passagem o autor mostra mais uma forma de se utilizar do poder para definir o que os outros são “quando eu não faço parte destes outros”, quando eu defino os significados para “o grupo dos outros”, ou seja, do menor, da criança, jovem, adolescente, aluno ou estudante, sem contar com a participação dos envolvidos, dos sujeitos que estão a ser analisados, caracterizados e representados.

O autor aborda, em seu texto, a outro polêmico tema: o fracasso escolar. A centralização das discussões variadas em torno da educação, mas que em raríssimos momentos focaliza aluno ou no “ser aluno” conduz a essa falência. “Pouco se fala das mudanças que deveriam ocorrer a partir das condições dos sujeitos receptores. Quando se diz que uma inovação fracassa ou tem êxito, poucas vezes se apela para o que representa uma ou outra para o aluno, no que melhora sua qualidade de vida” (p. 15). Assim o que se exige dos alunos, sem que estes participem e mesmo dê um retorno do que está dando certo ou errado seria o mesmo que esperar que o sistema seja cada vez mais decadente e deteriorado.

Nesta perspectiva muito se ouve em sistema de educação público brasileiro falido e ruim, nota-se que “o fracasso escolar preocupa, mas os fracassados nem tanto” (p.15), pois não se, ouve dizer que a situação socioeconômica dos alunos ou mesmo as desigualdades sociais vão ser melhoradas para que o sistema educacional ou mesmo a educação no país tenha sucesso. Percebe-se uma pequena preocupação em implantar um acompanhamento escolar psicopedagógico para o aluno e sua família no sistema educacional público de educação, que alguma escola talvez tenha interesse em ajudar os alunos a passarem ou mesmo a desvendarem questões tão importantes como “quem sou eu, de onde vim para onde vou, por que o mundo é desta forma, como devo me sociabilizar com a família comunidade e escola, porque sofro, porque sinto dor, etc”. Dentre outras questões que perpassam as disciplinas ensinadas nas escolas mas que envolvem os sujeitos que estão as assimilando e que, dependendo de sua situação e momento de vida não terão o menor respaldo, interesse ou significado para os mesmos.


Sacristán faz uma comparação que chega a ser um pouco engraçada e trágica: “no discurso estão mais presentes os professores que os clientes”. Em uma empresa o mundo gira em torno do cliente, ele deve estar satisfeito em suas mais detalhadas demandas, no entanto, no mundo escolar, ou “mundo educação” isto não acontece nas escolas públicas pois o serviço não envolve um pagamento diretamente do aluno para com o professor, mas que é pago indiretamente pelo governo por seus serviços prestados. O mesmo não ocorre em escolas particulares onde os clientes são os pais dos alunos e novamente se configura um ambiente onde quem está de posse de todo o poder é o adulto professor e os adultos pai e mãe, aos quais tem-se que atender à tal expectativa do que uma escola deve oferecer. O aluno é mero coadjuvante nesta história onde deve atender as expectativas dos pais, assim também os professores devem atender às expectativas dos pais.

Ainda fala da escolarização sobre ser uma demanda por justiça social, ou mesmo uma questão de dignidade humana, como se a escolaridade e a condição de menores estivessem sempre que estar ligada a condição de alunos para que estivessem exercendo um direito. Esta questão está ligada com a declaração dos direitos da criança”. Fala ainda sobre a força que a publicidade tem para definir o que são os menores.

O autor sugere que haja uma desnaturalização sobre o que é ser menor, aluno ou jovem “devemos tentar desentranhar o pensamento que define infância e como ela é construída, para saber quem acreditamos ser a criança e o jovem dentro da sociedade, indo além dos discursos científicos” (p. 24). 

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