Quando
entrei na sala o meu primeiro pensamento foi: Como irei decorar o nome de
trinta alunos? Confesso que minha memória para certas coisas não é das
melhores. Hoje, dois meses depois de começar a dar aulas para a turma já sei o
nome de alguns deles e percebi que, em minha memória, conseguiria associar os
nomes somente se houvesse uma história de vida, um sujeito por trás daquele
nome, um ser humano.
A
lista de chamada, a qual resolvi fazer oralmente para tentar “decorar” o nome
dos alunos foi uma comprovação de que não conseguiria realizar a tarefa de
memorização.
A
primeira atividade que pedimos para eles, logo no primeiro dia de aula foi uma
biografia na qual pudessem contar livremente suas histórias de vida, mas
pedimos que escrevessem principalmente sobre:
- Nome, idade, local onde nasceu;
- Fase da infância e adolescência: Relação com a escola (onde estudou e até que série; gostava de quais matérias, etc);
- Fase adulta: Lugar onde mora e com quem, profissão etc.;
- Por que voltou a estudar e o que espera do futuro, incluindo sua trajetória na EJA.
Ao ler as biografias dos alunos me pareceu um livro de memórias, uma
história cheia de histórias. Uma grande colcha de retalhos. Em cada história de
vida, muitas vezes bem detalhada conseguia visualizar cada um deles, as
dificuldades enfrentadas e a força de cada um deles para se decidir por
retornar aos estudos, ainda que tivessem que enfrentar o cansaço e tarefas
variadas, compromissos com a família...
O que foi muito comum na história de vida dos alunos é que a grande
maioria deles deixou a escola bem cedo, em idades entre 9 e 17 anos. A grande
maioria precisava ajudar suas famílias trabalhando e contribuindo na renda da
casa, alguns perderam o pai ou mãe e mudaram de cidade, foram morar com outros
familiares, foram abandonados, adotados, “dados” para trabalhar em outras
famílias... Outros sofreram abusos e violência doméstica e algumas mulheres
deixaram a escola quando casaram.
Fiquei emocionada lendo a biografia deles, mas o que me deixou feliz era
como elas terminavam: sempre com um final feliz, a maioria dizia que havia
conquistado muitas coisas na vida como família, casa, uma boa condição de vida,
no entanto não conquistaram o sonho de estudar. Sempre terminavam escrevendo
que os filhos e até netos havia estudado e se formado, que este era o momento
deles e que queriam “recuperar o tempo perdido”. Expressaram o desejo de
terminar o ensino fundamental, concluir o médio e até mesmo cursar o ensino
superior, quem sabe até na UFMG! Alguns confessaram que voltaram a estudar por
terem feito esta promessa aos filhos.
Após ler as biografias e começar a me entrosar com os alunos durante as
aulas percebi que havia muitos problemas relacionados ao português. Os alunos os
têm dificuldade de interpretação de texto, leitura em voz alta e mental,
ortografia, concordância, escrita e muitos outros. Também não tem uma rotina de
estudos, vamos dizer que não aprenderam a estudar, aprenderam a se comunicar
com o mundo lendo e escrevendo de maneira precária, não sabem organizar um
caderno de disciplinas, fazer cabeçalho de um exercício, quando escrever a
lápis ou caneta, e o principal: não tem costume de ler. Dentre todos estes
alunos, um aluno se destaca pois escreve textos em formas de anagramas e rimas,
outro aluno tem uma bagagem cultural bastante avançada e não tem essas
dificuldades citadas, sendo inclusive pintor de quadros.
Diferentemente de outras escolas com jovens e crianças não temos
problemas de disciplina ou mesmo violência. O público é adulto e ainda não
enfrentei problemas com brincadeiras fora de contexto, conversas ou situações
mais graves.
Os alunos da turma 81 são
bastante animados, participativos, curiosos e tem muita vontade de aprender. É
uma turma com a faixa de idade mais avançada, muitos são aposentados, mas
existem uns três jovens na turma.
Já a turma 80 é mais jovem, no entanto há três idosas com mais ou menos
70 anos, é mais introspectiva, percebe-se que geralmente estão mais cansados,
sempre dizem que não tem tempo de estudar em casa, pois trabalham o dia todo, e
também me parece que estavam um pouco desconfortáveis no início das aulas, não
sei dizer ao certo o motivo, se era devido ao cansaço, ou ao fato de mudarem a
rotina, se não estavam gostando das aulas, da escola...
Quando eu e minha dupla optamos por darmos aulas separadamente eu optei
por ficar com a turma 80, não sei bem o porquê, mas optei por ela.
O vídeo que posto aqui mostra a rotina dos alunos da EJA e também alguns depoimentos:
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