TEXTOS AUXILIARES - Educação geográfica: A psicogenética e o conhecimento escolar - Sônia Castellar (2005)


O ensino de geografia nas escolas que se baseia mais no conteúdo com grande quantidade de informações e foco em provas e testes que visam conseguir uma vaga nas universidades é um ensino que está fadado a morrer em si mesmo dado a sua falta de profundidade e diálogo com a própria vida e vivência do aluno. Este tipo de aprendizagem pode ser considerado um meio para alcançar algo e não algo em si mesmo, apenas um caminho e não um ponto de chegada ou um objetivo a ser alcançado.


Analfabetismo Geográfico "de lá e de cá"!
Visão simplista sobre conteúdo e aprendizagem de Geografia: localizar e decorar nomes de capitais e países..

Castellar aborda em seu artigo os procedimentos e a metodologia da geografia escolar, buscando apresentar um diálogo entre os conteúdos geográficos e a didática. A autora se baseia em algumas reflexões realizadas por Yves Lacoste em 1970 e que compõem parte da história do pensamento geográfico, como por exemplo, o fato de essa disciplina estar centrada na memória e na informação, Lacoste afirma que a geografia é a única a parecer um saber sem aplicação prática fora do sistema de ensino, induz a ideia de que geografia não deriva de um raciocínio estratégico conduzido em função de jogo político. Por isso é importante o saber-fazer em geografia, ou seja, a capacidade de aplicação dos saberes geográficos nas atividades escolares.

Entretanto, A autora afirma que pensar a geografia como uma disciplina que ensina a memorizar informações soltas é uma ideia equivocada.  Os principais temas de geografia que os alunos deveriam aprender no ensino básico são: compreender o espaço na sua dimensão cultural, econômica, ambiental e social, pensar e analisar os fenômenos geográficos em separado ou concomitantemente e em diferentes escalas, o que significa analisá-los conceitualmente, em função de diversas práticas e das representações sociais. Toda a aprendizagem da geografia na educação básica pode ser entendida como um processo de construção da espacialidade que corresponde a orientar-se, deslocar-se no espaço.

Estas temáticas vão além dos conteúdos, pois incorporam objetivos procedimentais e atitudinais, contribuindo para ampliar a concepção de currículo existente nas escolas e ir demonstrar que para aprender Geografia deve-se ir muito além dos preceitos de que a disciplina deve ser aprendida através da memorização de conteúdos e informações. Este pensamento afirmando que para aprender Geografia deve-se ter um raciocínio analítico-associativo e espacial culmina em uma tentativa de renovações de posturas, linguagens, atividades de aprendizagem e consequentemente na didática e metodologias pedagógicas visando a reflexão do aluno sobre a realidade, sociedade e dinâmica do espaço.

Este saber geográfico capacita o aluno para que este possa fazer sua leitura de mundo, ou seja, associar as experiências do espaço vivido aos elementos naturais e construídos presentes na paisagem, não se atendo apenas à percepção das formas, mas sim chegando ao seu significado. A leitura do lugar de vivência está relacionada, entre outros conceitos, com os que estruturam o conhecimento geográfico, como, por exemplo, localização, orientação, território, região, natureza, paisagem, espaço e tempo.

Castellar ressalta a dificuldade de assimilar escalas diferentes e orientação, e por isso deve-se começar a estabelecer relações entre os lugares, a ler os fenômenos em diferentes escalas, mobilizando o raciocínio e educando o olhar para que possa fazer a leitura do espaço vivido em variadas situações do cotidiano, atentando-se para a máxima: “como, para quê e para quem ensinar geografia escolar”.

Segundo Para Piaget, a aquisição do conhecimento é explicada através da função adaptativa dos sujeitos em sua interação com o meio. A aprendizagem é vista como um processo de interação social que gera uma adaptação das estruturas mentais do sujeito, ou seja, é um processo de tomada de consciência, pelo educando, das propriedades dos objetos e das suas próprias ações ou conhecimentos aplicados aos objetos. Desse modo, a passagem de um nível de conhecimento a outro se realiza por meio da interação de fatores internos e externos, mais concretamente da experiência física e lógico-matemática, o meio e a interação social, as experiências afetivas e, sobretudo, a tendência à equilibração (equilíbrio-conflito-novo equilíbrio). Uma vez que ocorre o desenvolvimento cognitivo, se estabelece uma sequência de estágios e sub-estágios vinculados, cujo traço principal é a integração de ações e conceitos em um processo de estruturação que se entende como sendo a construção de um sistema de ações e conceitos a partir de ações anteriores, sem sistemas prévios. A psicologia genética considera que há um processo interativo entre sujeito e objeto, por meio do qual ocorrerá a construção do conhecimento.

O construtivismo epistemológico preocupa-se com o que conhecemos e como alcançamos esses conhecimentos. Na epistemologia genética estudam-se os mecanismos e processos que os sujeitos atravessam na passagem dos estados de menor conhecimento aos estados de maior conhecimento avaliando-se esses sujeitos pelo grau de conhecimento científico adquirido e compreendido, e não pela quantidade de informações conteudísticas sem significado que possam acumular.


Nessa perspectiva, a dimensão cognitiva está no momento da representação de um trajeto (mapa cognitivo ou mental) ou da leitura de um mapa temático, pois são ações que possibilitam à criança relacionar a leitura de mundo e o desenho (mapa cognitivo) com os conceitos de área, tamanho, distância, organizando o pensamento na construção dos conceitos de escala e proporção.

A assimilação e a acomodação constituem dois polos de equilibração do pensamento da criança. A representação (imitação, jogos, desenhos), ocupa um lugar de destaque neste desenvolvimento cognitivo, é um momento em que o aluno está estabelecendo comparações entre o imaginário e o real e acaba por expressar significados.

Já com relação às relações espaciais euclidianas que compreendem a noção de distância, área e equivalência entre as figuras, e relacionam-se também com a equivalência entre o real e a representação, ou seja, ao palpável e a matemática, o real e o mapa, fato que muitas crianças não conseguem assimilar. Desenvolver esse pensamento auxilia no entendimento das noções de escala e proporção e de igualdade matemática.  Por isso, torna importante desenvolver estruturas mentais que auxiliem na sua compreensão.

A interpretação dos fenômenos geográficos ganha significado quando a criança entende a diversidade da maneira como se dá a organização dos lugares, quando compreende o conceito de território, por isso reafirma-se que a leitura de mapas e a elaboração de mapas cognitivos são imprescindíveis para a compreensão do discurso geográfico.  

A verticalidade e a horizontalidade estão ligadas ao ponto de vista, à maneira como a criança observa a posição dos objetos e como consegue representá-los. Ao observar um objeto, a criança o lê numa posição vertical e com visão tridimensional, sendo que ele está em uma posição no espaço; ao desenhá-lo, passa a vê-lo horizontalmente e de forma bidimensional, e a posição do objeto, algumas vezes, é invertida.

Todo esse processo relacionado à construção do conhecimento permitirá que as crianças desenvolvam o raciocínio estratégico, como afirmou Lacoste. Ao estimular as crianças com atividades que desenvolvem uma evolução conceitual, elas poderão ler e elaborar mapas cognitivos num primeiro momento para, em seguida, ler uma representação cartográfica, compreendendo as convenções internacionais.

Abordando já as metodologias de ensino e aprendizagem, os saberes geográficos devem ser abordados em uma perspectiva significativa para os alunos o que implica em reestruturações em procedimentos e objetivos.

O aluno deve fazer parte do processo de ensino-aprendizagem quando leva o seu mundo para dentro da sala de aula, quando coloca em pratica o que aprendeu em geografia associado aos seus conhecimentos prévios, suas experiências e suas vivencias, mas não de uma forma secundária ou como ponto de partida e sim dando uma real importância para tudo o que viveu até o momento, já que tal postura pode desmotivar o aluno no processo de aprendizagem.

A autora considera também que aula tem uma função relevante, pois é o momento no qual se pode organizar o conhecimento e o pensamento do aluno, a partir de atividade de aprendizagem. Os mapas e as imagens presentes nas aulas são procedimentos, ou seja, estratégias de aprendizagem que possibilitam aos alunos trazer para a discussão o conhecimento prévio e ao mesmo tempo mobilizam habilidades mentais (classificar, analisar, relacionar, sintetizar...) e estimulam a percepção, bem como a observação e a comparação das influências culturais existentes nos diferentes lugares. Permitem ainda que os alunos entendam os mapas como construções sociais que transmitem ideias e conceitos sobre o mundo, apesar da pretendida neutralidade e objetividade que os meios técnicos utilizam para confeccioná-los.


O construtivismo não é a explicação para tudo o que ocorre no mundo e na escola, mas é uma perspectiva epistemológica a partir da qual tenta-se explicar o desenvolvimento humano, e nos ajuda a compreender os processos de aprendizagem, assim como as práticas sociais formais e informais que a facilitam, porém cada aluno tem seu modo de aprender e nem todas as ações docentes garantem uma aprendizagem suficientemente construtivista para todos.

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