O espaço da escola é lugar onde ocorrem
experiências riquíssimas e que devem ser investigadas e estudadas. A etnografia
pode ser entendida como “o estudo descritivo das
diversas etnias, de suas características antropológicas, sociais”, e neste
sentido, esta pratica pode auxiliar no estudo do cotidiano na escola.
O interesse dos educadores pela
Etnografia torna-se muito evidente no final dos anos 70 e tem como centro de
preocupação o estudo da sala de aula e a avaliação curricular, porém era apenas
calcado nas observações e registros em sala de aula chamados de “análises de interação.
Tendo como fundamento os princípios da psicologia comportamental, eles serviram
não somente para estudar as relações professor-aluno em sala de aula mas também
para desenvolver habilidades de ensino ou medir a eficiência de programas de
treinamento de docentes.
Segundo a autora, este método se mostra
insuficiente para estudar todas as nuances do espaço escolar e sugere a
abordagem antropológica. Para entender e descrever a cultura escolar o pesquisador
faz uso da observação participante, que envolve registro de campo, entrevistas,
análises de documentos, fotografias, gravações. Os dados são considerados
sempre inacabados. O observador não pretende comprovar teorias nem fazer
generalizações estatísticas. Ele busca compreender
e descrever a situação, revelar seus múltiplos significados, deixando que o
leitor decida se as interpretações podem ou não ser generalizáveis, com base em
sua sustentação teórica e sua plausibilidade
Muitos estudos e pesquisas produzidos
na área de educação na década de 80 são classificados como “qualitativos" e/ ou etnográficos.
O que se verifica, no entanto, é que a grande maioria envolve dados de campo,
sistematizados em forma de descrições que acrescentam muito pouco ao que se
sabe ou conhece ao nível do senso comum. É a empiria pela empiria. Há coleta de
uma grande quantidade de dados e o autor espera encontrar algum significado nestes
dados, espera que por si produzam alguma teoria. Mas é evidente que sem um referencial de apoio
que oriente o processo de reconstrução desses dados não há avanço teórico
- fica-se na constatação do óbvio, na
mesmice, na reprodução do senso comum.
Essa confusão entre procedimento
etnográfico e método de investigação acaba por limitar sobremaneira as
contribuições dessas pesquisas em termos de geração de novos conhecimentos. Essa
concepção limitada tem produzido trabalhos no cotidiano da escola, mas não
sobre o cotidiano da escola. Muito pouco esforço tem sido feito em termos de
construir a categoria "cotidiano escolar”, que falam do cotidiano em geral
e tentar aplicá-las diretamente, de forma dedutiva, na análise da escola: O que
caracteriza a vida escolar cotidiana? Que elementos são específicos da
instituição escolar, isto é, só aparecem na escola?
Precisam, em vez disso, tentar ir bem
fundo na análise dos elementos que compõem esse cotidiano, questionando suas
origens, seu significado, suas limitações e principalmente suas vinculações aos
objetivos sociopolíticos e econômicos que os determinam naquele momento
histórico. Para
A autora destaca três pesquisas para
embasar sua ideia de que as pesquisas sobre o cotidiano escolar vai bem mais
além do que a coleta exaustiva de dados e as observações em sala de aula:
A primeira pesquisa foi
realizada em 1983 e tinha o objetivo de conhecer o trabalho desenvolvido por
professoras que estavam tendo sucesso na alfabetização de crianças da escola pública,
apesar dos limites de suas condições de trabalho e formação. Para a coleta de dados foi utilizado
basicamente a observação das aulas, tendo como alvo as práticas de trabalho da professora.
As conclusões
do estudo apontaram, em primeiro lugar, uma inter-relação dos elementos que
caracterizam a prática pedagógica. Esses aspectos são: conteúdo, disciplina,
afeto, aprendizagem, não é possível compreender a questão da disciplina pois aparecia
intimamente associada ao modo de lidar com o conteúdo e às manifestações afetivas
da professora, levando, em consequência, a um interesse e a uma vibração dos
alunos por aprender.
Outro resultado
foi a diversidade existente entre as professoras consideradas bem sucedidas. Por
um lado, havia aquelas que mais se aproximavam ao tipo "tradicional",
seguindo de perto a cartilha, obedecendo a uma sequência de atividades bastante
rígida e interagindo com as crianças de forma mais autoritária. Por outro lado,
havia professoras que desenvolviam atividades bem criativas e estimulavam a
participação e a imaginação das crianças. Havia ainda outras que combinavam uma
forma mais "convencional" de atuação com situações de estímulo à
inventividade e à participação. Verificamos apenas que algumas tinham um apoio
pedagógico e administrativo bastante definido e outras não tinham qualquer
suporte. Verificamos também que algumas escolas possuíam uma proposta
pedagógica e outras não. Entretanto, estas considerações foram insuficientes
para explicar o desempenho das professora e investigação da prática docente não
deve se esgotar no espaço da sala de aula, pois pode haver ligações diversas
entre essa dinâmica social e as formas de organização do trabalho escolar, as
quais não podem ser desconhecidas.
A segunda pesquisa focalizou o trabalho docente
realizado em uma escola localizada em uma favela do Rio de Janeiro. O objetivo
geral da pesquisa era verificar o tipo de prática pedagógica que interferia de
forma positiva no desempenho escolar das crianças das camadas populares.
A coleta de
dados se desenvolveu durante o ano letivo de 1984, envolvendo observações de
seis turmas das quatro primeiras séries do 1º grau. Foram feitas também
observações da entrada e saída dos alunos, do recreio, da sala dos professores,
reuniões pedagógicas, de conselhos de classe, de reuniões de pais e de festas
escolares. Além das observações, foram feitas entrevistas com as seis
professoras, com a diretora, com a assistente de direção, com a supervisora e a
merendeira da escola, com três ex-diretores, dois ex-professores e com pais pertencentes
à diretoria da Associação de Moradores da favela. Houve ainda entrevistas
coletivas com os alunos das turmas observadas. O campo de observação foi
ampliado, em relação à pesquisa anterior, nesta pesquisa abarcando grande parte
do espaço escolar
Os resultados mostraram
haver uma diferença muito grande entre as séries iniciais (1ª e 2ª) e finais
(3ª e 4ª) quanto à organização das crianças na sala, às formas de ensinar, à
rotina de trabalho e à relação professor-aluno.
Foi justificado pela presença de um projeto pedagógico, fundamentado na
perspectiva de Paulo Freire, que vinha sendo implementado nas 1ª e 2ª séries,
com acompanhamento da supervisora da escola e que seria posteriormente
estendido às demais séries. Esse projeto envolvia um trabalho coletivo dos
professores, coordenado pela supervisora, implicando em reuniões semanais para
discussão, análise e revisão das práticas de sala de aula, assim como para
planejamento de atividades comuns, troca de materiais e avaliação dos
resultados de aprendizagem.
Outro resultado
encontrado foi a existência de uma estreita relação entre a escola e a
comunidade. Havia uma abertura para a participação dos pais em atividades escolares
assim como na discussão de questões pedagógicas ou discutir questões de interesse
da comunidade através da Associação de Moradores da favela.
Um ponto que estava
relacionado a disciplina, demonstra que todos os funcionários da escola estavam
empenhados em sua limpeza, organização, o que se refletia na disciplina e entusiasmo
das crianças pela aprendizagem.
Comparando a pesquisa anterior a
segunda teve a realização de uma análise mais articulada das dimensões que
compõem o dia-a-dia da escola, mas dificuldades de explicar teoricamente alguns
pontos sobre a dinâmica de trocas e de relações que constitui a vida escolar. A
autora destaca a contribuição que a pesquisa do tipo etnográfico pode trazer
para um entendimento das inter-relações entre o dentro e o fora da sala de aula
A terceira
pesquisa foi focada justamente na análise das relações sociais expressas no
cotidiano escolar, preocupando-nos mais atentamente com os movimentos de
dominação resistência que nele estão presentes. Foi escolhida uma escola da
rede pública da cidade do Rio de Janeiro para a coleta dos dados durante o ano
letivo de 1986, em que foram realizadas observações em turmas da 4ª série, entrevistas
e contatos informais com o pessoal técnico da escola, com pais, com as professoras
das turmas observadas e com seus alunos.
O estudo possibilitou afirmar a
complexidade da prática educativa. Deve-se analisar, observar os vários
elementos que compõem o espaço escolar de uma forma integrada. A análise da
prática escolar cotidiana não pode, portanto, desconhecer essas múltiplas
articulações, sob pena de se tomar limitada, incompleta. Os fatos e experiências
que ocorrem dentro de uma escola é resultado das articulações das relações
sociais, dos indivíduos e dos grupos presentes neste ambiente.
Algumas reflexões sobre as Práticas
Pedagógicas Bem Sucedidas são ressaltadas pela autora:
Qual o critério para escolha dos
bem-sucedidos? Como decidir quem são os professores, as escolas ou as práticas
bem-sucedidas? A ela se poderia responder, dizendo que, ao optar por uma
abordagem qualitativa, o pesquisador deve ter muito claro que deve justificar
suas escolhas, fundamentar suas opções, explicitar seus pontos de vista.
Outra crítica que aparece quando se
discutem as práticas bem-sucedidas é sobre um risco possível de isentar os
órgãos públicos de sua responsabilidade em assegurar condições condignas de
trabalho ao professor, quando se mostra que mesmo em condições as mais adversas
alguns professores conseguem realizar um bom trabalho. Isso talvez pudesse
reforçar uma atitude de falta de compromisso do Estado com as questões da
educação. Pode-se, finalmente, criticar a metodologia usualmente empregada
nessas pesquisas, que muitas vezes se limitam a descrever as práticas dos
docentes, seja através da observação direta das situações de sala de aula, seja
através dos seus próprios depoimentos.
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